Números inflados, prejuízo bilionário e investigações: entenda a crise na concessão da Cedae no RJ

  • 18/10/2025
(Foto: Reprodução)
Antes de leilão, estudo do BNDES alertou Cedae e governo do RJ que rede de saneamento de municípios estava superdimensionada O Governo do Estado do Rio de Janeiro, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e as empresas privadas que assumiram os serviços de saneamento vivem um dos maiores impasses desde a privatização do setor. A disputa, que envolve bilhões de reais, gira em torno de supostos erros e inconsistências nos dados de cobertura de água e esgoto usados no edital de concessão. A polêmica já resultou na suspensão de um acordo de R$ 900 milhões pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e na abertura de inquérito pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) para investigar possível prejuízo aos cofres públicos. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça Um estudo feito a pedido do BNDES já havia alertado sobre dados superdimensionados antes da concessão dos serviços públicos. O prejuízo estimado ultrapassa R$ 2,7 bilhões, valor que pode impactar diretamente os gastos do Governo d. Estado. Acordo de R$ 900 milhões O caso ganhou força no fim de setembro, quando a Cedae — que até então negava qualquer responsabilidade sobre erros nos dados — mudou de posição e aceitou um acordo com a concessionária Águas do Rio, que atua nos blocos 1 e 4 da concessão. Em apenas quatro dias, a estatal passou de uma defesa formal contra o pagamento para um termo de conciliação que previa R$ 900 milhões em compensações, via desconto nas faturas de compra de água. Cedae Reprodução/TV Globo A Águas do Rio alegou que encontrou uma cobertura de esgoto muito inferior à prevista no edital, com municípios como Cantagalo, Itaocara, Magé, Queimados e Rio Bonito apresentando zero cobertura, apesar de índices estimados entre 40% e 90%. A Agenersa considerou juridicamente viável o ressarcimento. O subsecretário de Concessões e Parcerias do Rio de Janeiro, Cássio Castro, reconheceu a responsabilidade da Cedae pelos dados incorretos. O acordo foi firmado em 3 de outubro de 2025, poucos dias depois de o então presidente da Cedae, Aguinaldo Ballon, enviar à Agenersa um ofício afirmando que os dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS) eram autodeclaratórios e, portanto, não poderiam ser usados para responsabilizar a estatal. Para técnicos e sindicatos do setor, a rapidez da mudança levantou suspeitas. "Nós entendemos que uma medida como essa tem que ser precedida de um estudo detalhado. Uma decisão desse nível pode comprometer toda a estrutura da empresa", afirmou Vítor Duque, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento. TCE suspende o acordo O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) suspendeu o pagamento e determinou que governo e Cedae se abstenham de aplicar qualquer desconto nas faturas da Águas do Rio até o julgamento do mérito das denúncias. Números inflados e prejuízo bilionário: entenda a crise na concessão da Cedae Reprodução/ TV Globo A decisão, do conselheiro José Gomes Graciosa, atendeu a pedidos dos deputados Luiz Paulo (PSD) e Jari Oliveira (PSB). Eles argumentaram que o acordo, além de volumoso, foi aprovado de forma “relâmpago” e sem mecanismos adequados de governança e transparência. O TCE deu prazo de 15 dias para que as partes apresentem documentos técnicos e jurídicos que embasaram a decisão — entre eles o contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal, que poderia ser afetado. Entre as irregularidades apontadas estão: Ausência de parecer jurídico da Procuradoria-Geral do Estado; inexistência de deliberação do Conselho de Administração da Cedae; denúncias de coação de diretores em reunião convocada à noite. Além disso, o tribunal solicitou cópias de todos os processos à Agenersa e ao BNDES, responsável pela modelagem da licitação. MP apura possível lesão ao erário Após a decisão do TCE, o Ministério Público do Rio instaurou um inquérito civil para apurar um possível prejuízo de mais de R$ 900 milhões aos cofres públicos. Veja os vídeos que estão em alta no g1 A investigação é conduzida pela 2ª Promotoria de Tutela Coletiva do Patrimônio Público e da Cidadania da Capital, que analisa se o acordo pode configurar ato de improbidade administrativa ou violar a Lei Anticorrupção. "O MP está investigando sob o viés tanto da lei de improbidade quanto da lei anticorrupção. Mas o momento agora é de estabelecer os fatos e atribuir responsabilidades", afirmou o promotor Alberto Flores Camargo, ao RJ2. Segundo ele, o procedimento busca identificar se houve dano ao erário e qual foi o papel da Agenersa na fiscalização do contrato. “Depois de tantos anos fazendo o que eu faço, posso te afirmar que em 99,99% dos casos é o povo que paga no final”, acrescentou o promotor. Dados superdimensionados Um estudo técnico contratado pelo BNDES, a pedido do governo do estado, já havia apontado fragilidades nos dados da Cedae antes do leilão de 2021. Segundo o documento, os índices de coleta e tratamento de esgoto apresentados pela estatal estavam muito acima da realidade. Mesmo com o alerta, o edital seguiu com os números originais, e as concessionárias — inclusive as que hoje pedem compensações — tiveram acesso ao estudo. O consultor ambiental Luiz Renato Vergara afirmou que os índices autodeclarados não condiziam com a realidade. "A Cedae faltou com a verdade. Não tenho dúvida em relação a isso", disse Vergara. Em vários municípios, as diferenças entre o prometido e o encontrado são gritantes. Veja alguns casos: Município - Cobertura de esgoto (Cedae) - Cobertura real (concessionária) Duque de Caxias - 40% - 16% Belford Roxo - 38,2% (coleta) / 11,8% (tratamento) - 16% / 8% Magé - 33% - 0% Nilópolis - 87% - 0% Queimados - 40% - 0% Rio Bonito - 40% - 0% Miracema - 65% - 0% Paty do Alferes - 23% - 3,89% São Fidélis - 48% - 0% Sumidouro - 10% - 0% Prejuízo pode ultrapassar os R$ 2,7 bilhões O impacto financeiro da disputa é bilionário. Somados, os pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro apresentados pelas três concessionárias ultrapassam R$ 2,7 bilhões. Águas do Rio (Blocos 1 e 4): R$ 900 milhões Iguá (Bloco 2): R$ 1,5 bilhão Rio Mais Saneamento (Bloco 3): R$ 325 milhões As empresas alegam que os investimentos adicionais não estavam previstos nas propostas vencedoras da licitação e que a variação nos dados ultrapassou o limite contratual de 18,5%. A Iguá, por exemplo, identificou uma diferença de 19,11 pontos percentuais em Paty do Alferes. Já a Rio Mais Saneamento afirma que, com exceção de Rio de Janeiro e Rio das Ostras, todos os municípios do Bloco 3 apresentaram índices de esgoto muito inferiores ao previsto. O que dizem os citados Em nota, o Governo do Estado informou que aguarda o resultado da análise dos pleitos das concessionárias Iguá e Rio+ Saneamento. Segundo o Estado, o edital de licitação prevê a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos caso seja comprovado que a discrepância dos dados de cobertura supera 18,5% em relação ao que foi apresentado na licitação dos serviços. O governo destacou ainda que o Termo de Conciliação firmado com a Águas do Rio é preliminar e teve como objetivo “evitar, de imediato, o aumento da tarifa para a população”. Sobre o inquérito aberto pelo Ministério Público, o governo afirmou que ainda não foi notificado, mas está à disposição para prestar os esclarecimentos necessários. Já a Cedae declarou que ainda não foi chamada para nenhum acordo com as concessionárias Iguá e Rio Mais Saneamento . A estatal também informou que não foi notificada pelo Ministério Público sobre a investigação, mas que está à disposição para colaborar com o órgão e prestar todos os esclarecimentos solicitados. A Águas do Rio informou que está à disposição do Ministério Público para fornecer quaisquer informações ou documentos que forem solicitados. Já a Iguá esclareceu que cumpre rigorosamente o contrato de concessão e apresentou suas considerações dentro dos prazos previstos. Segundo a empresa, entre os pontos levados à análise estão a variação da cobertura de rede em Paty do Alferes e o número de beneficiários da tarifa social, que teria superado as estimativas iniciais. A concessionária ressaltou que os contratos de concessão são “instrumentos dinâmicos”, sujeitos a ajustes ao longo da execução, como nas revisões ordinárias quinquenais. A Iguá afirmou ainda manter o compromisso com a qualidade dos serviços prestados e com o bem-estar dos cerca de 1,2 milhão de clientes em sua área de atuação, e que já investiu mais de R$ 900 milhões nos três primeiros anos de operação, quase metade do total previsto para os 12 anos de contrato. Em contato com a reportagem, Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio (Agenersa) informou que os processos para analisar os pedidos de reequilíbrio das concessionárias Iguá e Rio+ Saneamento e verificar possíveis divergências nos índices de cobertura estão em andamento, sem prazo definido para conclusão. A agência também declarou que não foi notificada sobre o inquérito civil aberto pelo Ministério Público.

FONTE: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/18/numeros-inflados-prejuizo-bilionario-e-investigacoes-entenda-a-crise-na-concessao-da-cedae-no-rj.ghtml


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